Quinta-feira, 18 Abril

De «Vertigo» a «Psycho», como Hitchcock mudou o papel da arquitetura no cinema

Florista Podesta Baldocchi. Vertigo (Paramount, 1958)

Restaurante Ernie /Escritório Shipyard. Vertigo (Paramount, 1958)

No passado dia 9 de maio, Vertigo celebrou o 60º aniversário. A receção do filme pela crítica não foi a mais entusiasmante no entanto, ao longo dos anos, tornou-se uma das obras cinematografias mais reconhecidas do século XX e é indiscutivelmente um marco na forma pioneira como Alfred Hitchcock usou a arquitetura e o design de interiores no cinema.

Hitchcock iniciou a sua carreira no cinema como gerente de produção e designer de cenários, experiência que certamente o ajudaram e muito a desenvolver um estilo visual único. Para cada filme que criou, esboçou páginas de storyboards e layouts, geralmente inspirados em locais reais e outros que as suas equipas de design criavam. Para o realizador, um set nunca foi simplesmente um cenário de fundo para os atores, cada espaço atua como uma personagem secundária, inserido no argumento e usado para dotar as cenas com um determinado clima.

Baseado no romance de 1954, D’Entre les Morts, Vertigo segue a história do ex-detective Scottie Ferguson (James Stewart) enquanto procura por Madeleine Elster (Kim Novak) em São Francisco. Devido a crises debilitantes de agorafobia, Scottie é muitas vezes incapaz de agir fisicamente ou de intervir conforme os eventos se desenrolam. Assim, é com mudanças dramáticas de perspetiva que a câmara enfatizam a fragilidade da sua condição mental.

Em 1958, o Los Angeles Times descreveu Vertigo como “parte thriller e parte paisagem“, reconhecendo o olhar persistente, quase obsessivo, do realizador sobre a cidade. Hitchcock selecionou muitos dos locais onde as filmagens decorreram antes que o argumento tivesse terminado, enfatizando a importância da cidade para a narrativa. Enquanto procura por Madeleine, Scottie percorre algum dos marcos mais importantes da cidade: Fort Point (construído durante a Guerra Civil); a Golden Gate Bridge, o Ernie’s Restaurant e a Podesta Baldocchi, uma das mais antigas floristas da cidade.

Apartamento da Midge. Vertigo (Paramount, 1958)

North by Northwest – sequência inicial. (Metro-Goldwyn-Mayer, 1959)

O realizador deu igualmente uma atenção meticulosa aos detalhes das sequências filmadas em cenários. Os sets foram construídos nos Estúdios Paramount e planeados para enfatizar ainda mais os papéis das personagens individuais. Por exemplo, os grandiosos escritórios do magnata Gavin Elster, revestidos em madeira, atuam como um palco teatral e o luxuoso cenário do Restaurante Ernie, tem as paredes em seda vermelha, elemento que se enquadra instantaneamente como reflexo dos seus desejos e marcam o início de uma descida à paranoia.

Do outro lado da cidade, com vista para Russian Hill, o apartamento de Midge Wood é representado como um refúgio seguro e decorado com paredes amarelas pastel, espreguiçadeiras George Nelson e cadeiras Harry Bertoia – dois dos designers mais importantes do Modernismo Americano.

No filme seguinte, North by Northwest, Hitchcock usa o Modernismo arquitetónico como uma linguagem cinematográfica. O executivo publicitário Roger Thornhill (interpretado por Cary Grant) é envolvido num complexo conto de roubo de identidade e de segredos governamentais. A vida de Thornhill corre tanto perigo que Hitchcock usa uma mistura de paisagens americanas reais e imaginadas para aumentar o suspense, concluindo com um tiroteio no topo do Mount Rushmore National Memorial em Dakota do Sul.

Casa Vandamm. North by Northwest (Metro-Goldwyn-Mayer, 1959)

O filme começa em Nova York e mostra notáveis marcos modernistas: a então recém-concluída sede de Oscar Niemeyer para as Nações Unidas, o edifício CIT Building na Madison Avenue, de Harrison & Abramovitz, concluído em 1957, e apresentado aqui como o escritório da empresa de publicidade de Thornhill. A fachada lisa de granito preto e aço inoxidável foi usada por Hitchcock para capturar os reflexos do caos da hora de ponta no centro de Manhattan, com o exterior em forma de grade também usado como modelo para a identidade gráfica icónica de Saul Bass e nas sequências iniciais do filme.

O argumento do filme também envolveu a construção específica e propositada de uma série de cenários, incluindo a famosa residência do vilão. Hitchcock encarregou o diretor de produção Robert F Boyle de projetar uma casa que pudesse imitar o estilo único de Frank Lloyd Wright. No entanto, apesar do nível de detalhes de design, a casa nunca foi construída como um todo. Os interiores foram construídos como conjuntos de cenários separados. O exagero arquitetónico da casa, no alto da montanha, é acompanhado pela perspetiva deliberadamente angular do ponto de vista da câmara, delimitando tensões à medida que o filme se aproxima do fim.

Sede das Nações Unidas. North by Northwest (Metro-Goldwyn-Mayer, 1959)

Para reproduzir o interior da sede das Nações Unidas de Oscar Niemeyer, foi necessário recriar pinturas de fundo. Estes detalhes implicaram o gasto de US $ 3 milhões (hoje: US $ 25 milhões). Orçamento pesado mas necessário pois a produção não foi autorizada a filmar dentro ou fora do edifício desta que é uma obra-prima da arquitetura. As imagens do interior do edifício foram pintadas como cenários e as breves cenas externas, foram filmadas clandestinamente. Uma carrinha com uma câmara estava escondida e estacionada do outro lado da rua e, usando uma lente de longo alcance, a equipa conseguiu capturar os atores enquanto estes se misturavam discretamente com os transeuntes.

North by Northwest é talvez a expressão mais marcante do uso do Modernismo nos filmes de Hitchcock. Robert J. Boyle foi nomeado ao Oscar pelo seu trabalho no design de produção e mais tarde voltou a colaborar com o realizador em The Birds. Para este projeto criou a sombria atmosfera costeira de Bodega Bay. Neste processo criativo, Boyle manteve sempre em mente a obra “O Grito” de Edvard Munch – o seu principal ponto de referência.

Vertigo (Paramount, 1958). Imagens: Park Circus/Universal

Em Psycho, Hitchcock regressa ao voyeurismo de Rear Window. Em contraste com os panoramas abertos de North by Northwest, Psycho foi filmado predominantemente através de close-up, criando terror através da simples reformulação de espaços domésticos comuns. O contraste entre a arquitetura anónima e básica mas funcional do motel de Norman Bate e a casa gótica da sua mãe representa a sua personalidade dúbia. As sequências revelam a arte de Hitchcock: ao manter deliberadamente o diálogo ao mínimo, a tensão é construída através da revelação gradual de informações e de acontecimentos, mas ditada pela disposição dos próprios edifícios.

Vertigo (Paramount, 1958). Imagens: Park Circus/Universal

A influência e legado de Alfred Hitchcock é inquestionável e bem visível na história do cinema: os corredores vazios mas assombrados do Overlook Hotel em The Shining de Stanley Kubrick; a chuvosa Los Angeles noir retratada em Blade Runner de Ridley Scott; os labirintos oníricos de Inception de Christopher Nolan e o estilo único de Wes Anderson no The Grand Budapest Hotel são alguns dos exemplos da herança estética de Hitchcock. Com ele, a arquitetura pode e tem tanto destaque no cinema como os atores.

 

Fonte: https://www.wallpaper.com/

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