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Globos de Ouro 2018: quando o Cinema não é protesto suficiente

Por mais destaque e singularidade que tentam emanar nas suas cerimónias, os Globos de Ouro são sempre vistos como uma linha reta à premiação dos Oscars. A noite de ontem, pouco se destacou nesse sentido. Foi a feira das vaidade, porém, coberta de negro devido ao tão badalado protesto contra o assédio sexual, uma assombração que parece viver em Hollywood. E o decorrer da cerimónia deixa claro, que Hollywood não quer esquecer isso. Seth Meyers entra a “matar” com um rol de piadas nesse ramo, desde Weinstein a Kevin Spacey, passando pela sua masculinidade, ninguém sai ileso no seu discurso inicial. Mais um fator de que os Globos não conseguem deixar a sua marca, até porque os Óscares parecem dotados desse “comentarismo” político-social, diversas vezes embalado pela hipocrisia. E falando em hipocrisia, ouviu-se uns certos apupos a Meryl Streep.

Enfim, mas os Globos de Ouro não são o “We are the World” do discurso mediático, são Cinema … e Televisão, onde esta última tem adquirido uma portentosa relevância na indústria. Celebram-se séries como grandes produções hollywoodescas, festejam-se vitórias como verdadeiros oscarizados. The Handmaid’s Tale e Big Little Lies [1] provam a sua força nas suas respectivas nomeações, tornando-se os grandes da noite – quer no pequeno ecrã, quer no grande panorama.

Mas o Cinema está lá, a tentar vincar a sua constante ofuscação. Three Billboards Outside Ebbing, Missouri [2]prova a sua consistência na época de prémios, arrecadando 4 estatuetas, entre as quais as previsíveis ator secundário (Sam Rockwell) e argumento (a mais merecida das suas indicações), em conjunto com o de melhor atriz (Frances McDormand a destroçar Sally Hawkins) e o surpreendente Melhor Filme. Martin McDonaugh viu o prémio de realização cair nas mãos de Guillermo Del Toro, a provar que é uma força a acontecer nos Óscares, quem sabe, a consagração do cinema de género [3]. De mãos vazias, saíram três grandes da indústria: Steven Spielberg, Ridley Scott e Christopher Nolan, o resto do quinteto de “all-male directors”, ferroada lançada por Natalie Portman na apresentação da categoria à luz da ausência de Greta Gerwing, Patty Jenkins e Dee Rees nos nomeados.

Lady Bird [4] tira o tapete a Get Out [5] na categoria de Melhor Filme Comédia ou Musical. Para quem esperava que o filme de Jordan Peele, completamente deslocado da sua secção, levasse a estatueta desmerecida (comédia, vai se lá ver), entrou aqui numa desesperante espiral. Até porque Daniel Kaluuya viu o prémio de melhor ator (comédia) ser entregue a James Franco com a sua mimetização de Tommy Wiseau. Surpresa, das surpresas, surge em palco o “verdadeiro” Wiseau, impedido de discursar por Franco. Este foi o momento mais hilariante da noite.


De resto, Saoirse Ronan foi a melhor atriz de comédia por Lady Bird; Gary Oldman foi reconhecido como melhor ator dramático (como as academias adoram “imitações”); Coco [6], sem “espinhas”, conquista a melhor animação e Allison Janney rebaixa a sua concorrência (Laurie Metcalf) como melhor atriz Secundária em I, Tonya [7] (Margot Robbie não foi reconhecida desta vez na categoria principal). Surpresas das surpresas, surge com a vitória de Fatih Akin e o seu In the Fade no melhor filme em língua estrangeira (para os Oscars apostasse em The Square- O Quadrado [8]).

Contudo, existem ainda dois momentos que gostaria de destacar na Cerimónia. Uma foi o discurso inspirador de Oprah Winfrey, que motivou lágrimas e, apesar de tudo, deu um “cheirinho” de corrida presidencial. E o segundo ponto, e talvez o mais doloroso, Kirk Douglas decadente e inaudível em palco. Sabemos que ninguém é imortal, mas a velhice é tramada … e infernalmente cruel.

Para os Oscars espera-se um maior destaque a Get Out e quem sabe (a minha aposta), a Wonder Woman [9], visto que a heroína da DC integrou o painel da Producers Guild of America, o que é sempre um sinal. E sim, na maior das hipóteses a vitória de Gary Oldman como ator, um prémio de “consolação” pelos anos e anos de negligência por parte da Academia. Por enquanto, é só esperar pelo dia 23 de janeiro, quando as nomeações foram anunciadas.