Quinta-feira, 25 Abril

Os Produtores – Ep 8: Cine-Cabo

Após escapar como uma enguia entre as idosas que coagulavam a saída do eléctrico 15, Lourenço sobe a avenida Infante Santo a correr para o local de trabalho. Já no edifício, Lourenço carrega no botão do elevador. Carrega e volta a carregar, mas o efeito de placebo atinge-o quando se recorda que há apenas um botão para uma câmara cheia de ar e promessas. Lourenço sobe as escadas a correr tanto quanto pode. Queixoso dos joelhos, abre a porta do gabinete do Produtor.

Lourenço- [suado] Cheguei…Senhor…desculpe…o…

Produtor- Não te ensinaram a bater à porta?

Lourenço- Mas Senhor-..

Produtor- Nada de mas, e se me apanhasses com as mãos a trabalhar? Sai e entra outra vez como deve de ser.

Lourenço sai e fecha a porta. Conta até três e bate na madeira. Ninguém responde. Lourenço bate novamente. Nada. À terceira há-de ser de vez, pensou Lourenço. Mas pensou mal, que teve de bater uma quarta.

Produtor- Já se ouviu! Está aberta! É só puxar!

Lourenço entra.

Produtor- Tantos anos aqui, já devias saber abrir a porta.

Lourenço- Mas-…

Produtor- Já vi que não estás nos teus dias. Sei como te sentes, comigo é o mesmo. Ontem acabou a minha Netflix.

Lourenço- [enquanto limpa o suor da testa com as mãos] Vai deixar de a pagar?

Produtor- Nada disso, eles queriam era que eu começasse a pagar! Pensei que o serviço fosse de borla.

Lourenço- Mas eles avisam que-…

Produtor- Só há duas pessoas que lêem os avisos: quem compra um iPhone para justificar o preço e quem compra moveis no Ikea para ver o bonequinho tão confuso como os próprios. Lourenço, quero fazer uma série.

Lourenço- É uma boa decisão Senhor. As séries estão na moda e até há quem diga que estão melhores do que o cinema.

Produtor- Isso não sei, mas são baratas de se fazer.

Lourenço- Oh, Senhor, não. Cada vez se gasta mai-

Produtor- Traz os gráficos, precisamos de analisar o mercado!

Lourenço vai buscar os gráficos e espalha-os na secretária do Produtor, como se estivessem prestes a iniciar um ritual de sacrifício.

Lourenço- Ora bem, se vamos avançar com uma série, precisamos de definir que género queremos fazer.

Produtor- O que sai mais barato?

Lourenço- Hmm.. talvez uma sitcom.

Produtor- Soa-me piroso. 

Lourenço- Olhe que é dos géneros que tem mais sucesso. Basta ter um narrador a falar sobre ideias profundas no início do episódio e no final volta a falar para atar os nós. No meio podemos encher com personagens que parecem contemporâneas mas que não falam como ninguém na vida real. Temos que ter obrigatoriamente um nerd para conquistar um site chamado 9Gag e um asiático.

Produtor- Faz-me lembrar a festa de anos do teu filho.

Lourenço- Divertida?

Produtor- Triste, decepcionante e com croissants brioche a mais. Outra coisa.

Lourenço- … Bom. Temos também o género policial. 

Produtor- Agora falamos bem! Nada vende melhor do que pessoas a morrer a um domingo à tarde, logo após a missa na TVI para as pessoas que estão a morrer no sofá.

Lourenço- O segredo para uma boa série policial é não ter qualquer consequência até os dois últimos episódios da temporada, ter duas personagens principais, e, muito importante, haver um laboratório para análises com tecnologia abstracta, onde iremos passar a maior parte do tempo.

Produtor- Boa, filmamos só num local.

Lourenço- É fundamental que o cientista principal seja incompreendido pela sociedade, a dada altura apaixona-se mas corre-lhe mal e tem de ter roupa pouco ortodoxa. A série tem de ter um asiático.

Produtor- Não pode ser só dois polícias que consomem mais álcool do que os bebados que abatem nos parques de estacionamento?

Lourenço- Não.

Produtor- Próximo gráfico.

Lourenço- Drama.

Produtor- Boa. Emmys.

Lourenço- Podíamos fazer uma série passada num hospital, parece ser um nicho por explorar.

Produtor- Gosto disso, podemos filmar sempre no mesmo corredor e engonhar muito os episódios com a triagem nas urgências e as pessoas a aguardarem na sala de espera. De repente, para a distracção de todos, alguém se levanta para ir  à máquina comprar um café com sabor a urina. Isto filma-se sozinho!

Lourenço- Esqueça, este gráfico é de 2003. Mas continua a ter sucesso. Só temos que arranjar um asiático e ter uma equipa médica com uma excessiva tensão sexual entre eles.

Produtor- Entre as estagiárias?

Lourenço- Quer dizer, costumam ser as…

Produtor- Esquece, ninguém tem interesse. Lourenço, este estudo está péssimo. Quem é que o fez?

Lourenço- O Sebastião, antes de ter chumbado o curso por lhe ter dado um 8.

Produtor- Dei-lhe um 8?

Lourenço- Houve um dia que lhe trouxe um galão com mais leite do que café.

Produtor- Ah sim, eu escrevi que assediou sexualmente o contabilista brasileiro. Deve ser por isso que o Huguinho tem andado com uma cara de ciúmes. Pega nesta papelada toda e dá ao primeiro drogado que vires no metro. Vamos fazer uma série sobre um assassino que mata pessoas à morte até morrerem!

Lourenço- Não é de todo má ideia. Séries como Dexter e Hannibal foram muito bem recebidas. Pelo menos até chegarem à última temporada… Hannibal safou-se por não lhe deixarem terminar.

Produtor- Está decidido. Quem arranjamos para o papel de assassino?

Lourenço- Tem de ser um actor muito conhecido que faça as pessoas pensarem “O quê? Este agora também faz séries?”

Produtor- DiCaprio?

Lourenço- Demasiado grande para se dar ao trabalho.

Produtor- Kevin Spacey?

Lourenço- Já tem o House of Cards.

Produtor- Kevin Spacey tem uma série?

Lourenço- Já há um temp-…

Produtor- Tenho que ver isso! Tem de ser genial! Ok, então, Anthony Hopkins?

Lourenço- Começou agora o Westworld.

Produtor- Jack Nicholson?

Lourenço- Demasiado cansado.

Produtor- Já sei, William H. Macy!

Lourenço- Tem o Shameless. Ninguém vê, mas gostamos que apareça a sua cara nos intervalos da Fox.

Produtor- Tobey Maguire?

Lourenço- Huuuh… bem.. nem é mau de todo. Seria surpreendente e de certo que o público teria interesse em ver como se safava. Mal ou bem, teríamos audiência.

Produtor- Óptimo, e as minhas fontes dizem que ele aceita ser pago em sandes de baguete e torrão de Alicante. Precisamos de um nome para a série!

Lourenço- Uma constante no estudo feito pelo Sebastião é pôr o título de “American”. Seja o que for, tem de ter o nome American algures.

Produtor- American Assassin?

Lourenço- Para ter mais calibre necessita de passar a ideia que iremos ver crónicas..

Produtor- The Chronicles of an American Assassin?

Lourenço- Não, tem de ser algo mais subtil mas que vá dar ao mesmo. Algo como “ficheiros”, “casos”, “testemunhos”,…

Produtor- American Bodies of an American Assassin. Poético, confiante e estúpido. Falta-nos um poster para começar o hype nas redes sociais.

Lourenço- Pois, mas o que aconteceu ao estagiário que fez o poster do Alien: Covenant? Nunca mais o vi por aqui.

Produtor- O Dr. Estranho Amor? Acabou o curso de artes, agora anda a colar os quadros da Paula Rêgo no Colombo. Diz que é um emprego com saída. Mas não precisamos dele, tenho alguém melhor!

O Produtor carrega no botão vermelho da secretária, que só funcionou após abaná-lo devido ao mau contacto de tanto uso.

Não tarda, surge um jovem de óculos, aparelho e uma t-shirt do Bugs Bunny disfarçado de Men in Black, como só alguém com 20 amigos no Facebook usaria.

Produtor- Lourenço, este é o Tóninho. O Tóninho é o nosso actual responsável pelo marketing. Mostra lá o poster que fizeste para o novo Tomb Raider.

Tóninho- Está aqui Senhor Produtor!

O Tóninho mostra o poster que fez no trial do Corel Draw.

Lourenço- huuuuh…. Senhor….

Produtor- Não está fantástico Lourenço? Este rapaz é um génio!

Lourenço- Mas Senhor… aquela flecha está horrível. As cores são genéricas, a Lara está a fazer o cliché da pose de “Não sei se é aquele o meu autocar- não, afinal é o 712” e… e o que se passa com o pescoço?

Produtor- O filme conta a emocionante história de uma arqueóloga que procura a cura para o bócio.

Lourenço – Mas-…

Produtor- Tóninho, está fantástico. Agora preciso que faças um poster sobre a nossa série de 24 episódios , sendo dois terços só chouriça. Tem o Tobey Maguire e chama-se American Bodies of an American Assassin e fará o público subscrever serviços e evitar ir à loja do Senhor Joaquim só para apoiar o projecto.

Tóninho- Não sei se sou capaz Senhor, este poster do Tomb Raider puxou muito pela minha criatividade.

Produtor- Se és feminista ou não, é lá contigo. Vai ao Google procurar inspiração: pesquisa a série Spaced. Nunca vi mas gosto do poster. Agora vai, ide fazer arte!

Tóninho segue para a sala da criatividade, cheio de sonhos e senhas de almoço.

Lourenço- O Senhor procura ter sucesso?

Produtor- 24 episódios é capaz de demorar algum tempo a ser feito.

Lourenço- Podemos cortar para 12, ou fazer 6 e ver se o conceito pega.

Produtor- Fazemos alguns episódios em que duas personagens se separam do grupo e conhecem-se melhor, sendo que nós não aprendemos rigorosamente nada de novo. De resto enchemos com cenas de surfistas e do trânsito na Avenida da Liberdade.

Lourenço- Não seria melhor se-

Produtor- Tens razão, devíamos fazer mais alguma coisa pelo meio. Vi que há bastantes stand-ups na Netflix. E se contratarmos o Rui Alves de Sousa?

Lourenço- Não creio que tenhamos orçamento para ele.

Produtor- Imaginei. Eu falo com o Eduardo Madeira então. Preparamos o regresso dos Cebola Mol.

Lourenço- E que tal fazermos uma série com um grupo de miúdos? Está a ter bastante sucesso e podíamos explorar os anos 90, só para tentar fazer algo diferente fazendo precisamente o mesmo. 

Produtor- Sim, vamos fazer uma série sobre a época em que permitimos o Ricky Martin cantar. Quase salvámos a década com o Lou Bega, mas não foi o suficiente. Não tens mais nada de jeito?

Lourenço- Cheguei ao final da lista.

Produtor- Finalmente. O que diz?

Lourenço- Um drama sobre um caso real interpretado por actores famosos. Idealmente uma situação sobre um crime para podermos filmar num tribunal.

Produtor- Os casos de Carlos Cruz, interpretado por Sean Penn e Harvey Morman como o Sr. Silvino.

Lourenço- Harvey Morman já faleceu.

Produtor- Filmamos à volta do corpo como fizeram com o Bruce Lee, ninguém nota.

Tóninho entra confiante na gabinete.

Tóninho- Aqui tem Senhor! Posso sair mais cedo?

Produtor- Calma rapaz, deixa primeiro ver o teu trabalho.

O Produtor desenrola o poster e dá uma breve olhada. Começa a enrolá-lo novamente.

Produtor- Podes ir andando rapaz…

Tóninho- Obrigado Senhor!

Tóninho pega na sua pasta com autocolantes das maratonas de Terry Fox e vai para casa para aproveitar um merecido descansoLourenço vê pela primeira vez um Produtor desmotivado.

Lourenço- Posso ver o poster?

Produtor- Se eu te despedir não tenho de mostrar?

Lourenço- Não está assim tão mau…

Produtor- Estou mesmo a considerar Lourenço.

Lourenço- Deixe-me ver Senhor.

Lourenço- O Senhor só o tem na empresa por ele morar perto não é?

Produtor- Poupar no passe ainda faz diferença Lourenço.

Lourenço- Acho melhor desistirmos e voltarmos a brincar ao cinema.

Produtor- Tarde demais, enquanto falavas sobre os anos 90 eu enviei uma mensagem pelo Outlook para começarem a filmar.

Lourenço- Bem, se tivermos sucesso com o IT pode ser que ainda consigamos continuar a fazer filmes.

Produtor- Sabes o que mais me preocupa Lourenço?

Lourenço- As más críticas? Deixe lá, não será pior do que o Inhumans.

Produtor- A sinopse.

Lourenço- Como assim?

Produtor- Na Netflix as sinopses são escritas por estagiários que não viram o conteúdo.

Lourenço- Bem, quem sabe, talvez resulte a nosso favor e torne o projecto interessante.

Notícias