Sexta-feira, 19 Abril

Os 10 melhores filmes do ano por André Gonçalves

Elle

Verhoeven regressa em plena posse dos seus poderes provocatórios. “Ela” é uma decantação do seu cinema (está aqui muito do seu ADN cruzado com o “thriller” francês de Chabrol e Renoir), mas é também uma direção a dois: Verhoeven encontra aqui um “match” perfeito na igualmente veterana Isabelle Huppert, que co-dirige um filme que, a toda a esquina que cruza (incluindo até na hora de desmascarar o violador), recusa enveredar pelo caminho óbvio, tecendo um dos retratos mais honestos sobre o trauma e a psicose vistos no grande ecrã. 

The Neon Demon

Se Ela foi o filme mais consensualmente provocador, a mais recente longa-metragem de Nicolas Winding Refn – que agora se trata a si mesmo (e convida os seus fãs a tratá-lo) por NWR, gerou amores e ódios de igual dimensão na sua provocação. Acusado de um argumento tão superficial como as suas modelos, a verdade é que este “herdeiro” óbvio de De Palma, Argento, Verhoeven e companhia é um dos objetos mais hipnotizantes dos últimos tempos, e uma das melhores fusões entre som (i.e. banda sonora de Cliff Martinez) e imagem (i.e. a fotografia de Natasha Braier) que este espectador pessoalmente já viu. [ler crítica]

Quarto

Poucos filmes me tocaram tão fortemente nos últimos anos como esta segunda longa-metragem de Lenny Abrahamson, outro filme a duas metades, como muitos deste top 10 (e também acusado de descarrilar na segunda metade pelos seus detratores, como tantos outros aqui) sobre o cativeiro e o mundo “lá fora“. As performances de Brie Larson (merecedora do Óscar que acabou por obter no início do ano) e de Jacob Tremblay e a química entre “mãe e filho fictícios” são fulcrais para o murro no estômago, mas Abrahamson mostra, salvo talvez uma banda sonora ligeiramente sobrepontuada, ter um louvável sentido de contenção, quer quando estamos perante uma quase peça de teatro, quer quando o filme “se abre ao mundo“. Repare-se por exemplo no plano magnífico a fundo de Joan Allen a receber o amor do neto que não sabia que tinha. [ler crítica]

Julieta

Se “Quarto” fala-nos, entre outros temas, sobre culpa maternal, “Julieta” é esse sentimento de culpa capturado em filme. Num melodrama enganadoramente desprezável (há que vê-lo no mínimo duas vezes para fazer uma avaliação mais apropriada), Almodóvar demonstra de uma forma tão empática como madura como este processo de culpa pode passar de mãe para filha, e num dos seus planos mais magníficos envolvendo as suas duas atrizes no papel titular e uma toalha de banho, de como esta culpa, envolvida em ciclos de tragédia, acaba por envelhecer uma mulher. [ler crítica]

Carol

Tal como “Julieta“, um filme construído com uma matriz clássica, mimitizando à perfeição o melodrama de Douglas Sirk, caso este pudesse de facto ter falado sobre a história de duas mulheres apaixonadas contra o mundo. Talvez a demonstração mais óbvia do poder do realizador em controlar o olhar do espectador este ano. [ler crítica]

Os Oito Odiados

Tarantino pode já ter anunciado a sua reforma ao décimo filme (a ver vamos se a efetivamente cumpre…), mas o seu oitavo filme sobre oito personagens é um dos seus melhores. São três horas carregadas de citações e momentos “gifáveis” tão seus que poderiam até dar razão à fatiga que os críticos apontam (nomeadamente alguns dos que se regem pela Teoria do Autor), se não fossem de facto tão bons. [ler crítica]

A Lagosta

O grego Lanthimos volta a contra-atacar, trabalhando agora com recursos mais anglo-saxónicos – mas desenganem-se aqueles que achem que “A Lagosta” é o cineasta a ficar mais “soft“. Ainda assim, o romantismo aqui presente é inegável. 

Love

Por falar em “romance“… “Love” é outro filme de um autor odiável que decidiu decantar ainda mais o seu dispositivo, resultando talvez naquele que pode ser o seu testamento mais fiel aos seus propósitos. Gaspar Noé, outra das “crianças terríveis” do meu top 10, mostra-nos sexo real em 3D como meio de nos tornar cúmplices de uma história de “amor” arrasada pelo poder (auto)sabotador da natureza humana.   

O Primeiro Encontro

O filme de ficção científica do ano que, como os melhores do género, fala-nos mais sobre “nós” humanos que sobre “eles” extraterrestres, e reflete muitos dos conflitos que experienciamos hoje. E mostra, claro, que a língua é a mãe da nossa existência e de toda a ciência. 

American Honey

Funciona quase como um reverso de “O Primeiro Encontro“. No lugar da ficção científica sobre a mesma América de Donald Trump, Andrea Arnold transporta o seu realismo social tipicamente britânico para as terras do tio Sam, e mostra-nos um “país” completamente bipolar, entre o “sonho americano” e a realidade assustadora, pontuado por uma banda sonora recomendada exclusivamente a um público omnívoro. Tudo isto servido, claro está, numa porção gigante (quase três horas). 

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