Quinta-feira, 25 Abril

Os 10 melhores filmes do ano por Duarte Mata

One More Time With Feeling

É uma escolha pouco consensual e, provavelmente irrepetível, mas a contemplação que Andrew Dominik fez ao luto de Nick Cave, intercalado com os momentos musicais mórbidos do mais recente álbum deste último, Skeleton Tree, foi das poucas obras deste ano que se sentiu que o subtítulo poderia bem ser o nome de um filme de Coppola, One from the heart… E depois, chamem-nos cínicos, mas é o trabalho mais intenso do cineasta neozelandês. Porque haverá sempre mais violência no cinema pelo relato de uma mãe a falar de um desenho feito pelo filho recém-falecido, do que horas de provocações fúteis e tiros gráficos. [ler crítica]

O Ornitólogo

Poderia ser apenas a observação das aves portentosas que o protagonista, Paul Hamy, estuda afincadamente, entrecortado com o ponto-de-vista das mesmas e já teríamos um espetáculo de suficiente beleza. Mas João Pedro Rodrigues transforma o seu filme numa jornada espiritual ascendente, uma via-sacra pessoal onde a transcendência dos homens leva a uma comunhão singela com a Natureza. O sexo e o sagrado fundidos no melhor trabalho do cineasta até agora.

Três Recordações da Minha Juventude

Numa época em que o cinema olha para a adolescência de uma maneira cada vez mais primitiva, Desplachin mostrou aquilo que a juventude também pode ser: uma longa jornada de descoberta da filosofia e poesia, pequenas Odisseias homéricas onde o lar de cada homem é construído sob a forma de um rosto feminino de forte beleza… e onde só por ele se justifica a vida. Provavelmente não veremos as personagens e a comovente história que este filme contém outra vez, mas foi bom acreditar que, por 2 horas, Truffaut estava vivo e de boa saúde. [ler crítica]

Cartas da Guerra

Ridiculamente ignorado aquando a sua estreia no Festival de Cinema de Berlim, a adaptação da correspondência que António Lobo-Antunes intercambiou com a sua esposa durante a Guerra Colonial, é um longo poema visual e sonoro. O género epistolar pode ser de uma beleza deslumbrante quando as imagens equiparam o texto que as acompanha. Admirável e nunca prolixo, onde em cada chiaroscuro, nasce um eufemismo desconsolado. E vice-versa. Uma declaração de amor, enfim, feita de tinta e celulóide.

À Sombra das Mulheres

O preto-e-branco majestoso e nunca maneirista de Garrel encontra no par Stanislas Merhar-Clotilde Courau um vivo retrato destrutor da misoginia inerente do seu protagonista masculino. Uma construção de cenas fluidas e de interpretações ambíguas que levam a um final muito próximo do imortal Viagem a Itália de Rossellini. [ler crítica]

Carol

You act with your eyes, not with your mouth” disse, certa vez, o grande John Ford. A forma como Haynes rejeita grandes planos (de, acima de tudo, toques furtivos) para dar atenção aos detalhes pelos olhares das duas protagonistas parece comprovar mesmo isso. Como se não bastasse há ainda o campo/contracampo, onde os planos recusam-se a repetir; o uso de cores secas que, como as fotografias da protagonista, parecem prestes a dissipar-se ou o estrondoso desfecho que tem tanto de incontornavelmente belo, como de doce e magoado.

O Filho de Saúl

Diz Robert McKee que, na escrita do argumento, o lema principal é “Show, don’t tell“, para evitar a voz-off e limitar-se aos diálogos essenciais. László Nemes segue outro “Listen, don’t show” na forma como se recusa a largar o protagonista, um Sonderkommando em Auschwitz. O trabalho de som é assombroso e a experiência do Holocausto nunca pareceu tão vívida. É muito isto o que o cineasta húngaro descobriu e não hesita em partilhar: os grandes horrores não devem ser mostrados, mas antes fundamentalmente completados pelo imaginário do espectador. O trabalho de um realizador é, simplesmente, dar-lhe material para isso.

Se As Montanhas Se Afastam

Magnífico esforço de Jia Zhangke no melodrama, dividido em três atos que, gradualmente, revelam as teias de ligação que ocultam e onde, em cada um, o padrão da imagem se alarga, apesar dos espaços serem cada vez mais interiores. Fala-se do futuro de uma civilização, cujos valores culturais estão tão marcados pela derrota como o triângulo amoroso que é retratado desde o começo. Se vamos para o Oeste, é com a sensação amarga da nostalgia de um tempo que só o sangue conheceu e tenta reencontrar.

Na Via Láctea

Kusturica regressa à longa-metragem ao fim de quase uma década e cria um trabalho feérico, uma meditação fantasiosa sobre o Amor e Deus. O cineasta sérvio apropria-se de grandes referências cinematográficas clássicas e fá-las de algo seu. O resultado? Gansos a banharem-se em sangue suíno, falcões peregrinos a investirem contra helicópteros, amantes a serem engolidos pelo céu… Quem faz um filme como Na Via Láctea acredita que no cinema não está tudo visto. E mostra-o. [ler crítica]

Elle

É o filme que contém a personagem feminina definitiva do cinema deste ano. Resultante da colaboração de um cineasta provocador e de uma atriz de total entrega, Michèle é a vítima que recusa a vitimização, optando antes por usar o sexo como arma reivindicativa do poder. Há uma Michèle no interior de cada mulher que, nas condições de maior perversidade, vem à superfície.

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