Sábado, 20 Abril

Crónicas de Roterdão: «God Loves the Fighter», «Buzzard» e «Approaching the Elephant»

Caminhando por entre os arranha-céus e a neve da capital financeira da Holanda é difícil descortinar como é que a cidade se tornou na grande Meca do cinema “arthouse”. A resposta vai-se deslumbrando à medida que se navega pelas inúmeras salas de cinema ocupadas pelo evento, e ainda mais pela variedade de membros da audiência, que mistura gerações e estratos sociais, transformando-se numa multidão verdadeiramente sedenta por cinema.

Em Roterdão, ao contrário da grande de maioria da cena festivaleira, artistas conceptuais como Ben Rivers ou Laure Prouvost, são venerados como autênticas estrelas de cinema, ocupando os lugares que por outras bandas estão reservados para atores de Hollywood ou as grandes estrelas locais.

Mas não só de cinema experimental se faz um festival que exibe cerca de 500 filmes. No meio desta brutalidade cinematográfica é possível encontrar pérolas de um calibre complexamente diferente, em particular na notória secção de novos realizadores, Bright Future, que entre várias estreias inclui grandes êxitos de 2014, como Magical girl, do Espanhol Carlos Vermut ou Los Hongos, de Oscar Ruiz Navia..

Nesta edição que ainda agora começou, uma das primeiras grandes sensações foi a estreia de God Loves the Fighter, primeiro filme de Damian Marcano, um jovem cineasta de Trinidade e Tobago que foi recentemente “adoptado” pela estrutura do festival, que ao longo dos anos tem vindo a alimentar diversos cineastas do chamado “Terceiro cinema”, quer através do evento que produz na ilha da Curação ou do famoso Hubert Balls Fund. Apesar de toda a pompa e circunstancia da estreia, God Loves the Fighter pouco nos tem para oferecer.


God Loves the Fighter

Este retrato da vida nas favelas das caraíbas, mergulhadas no crime violento e exploração habitual, vive demasiado dependente de uma narração incessante, que apesar de um ou outro ponto interessante, se torna demasiado exaustiva. Marcano bem que tentou replicar a formula desenvolvida por Fernando Meireles em Cidade de Deus, e por breves momentos até o consegue. No entanto o filme falha estrondosamente ao ser incapaz de construir um enredo coerente ou sequer criar um elo de ligação credível que une as várias personagens e histórias, provando que é impossível cruzar narrativas à força. Apesar destas e outras falhas, God Loves the Fighter não deixa de ser uma janela pertinente para um cinema desconhecido pela maioria, e que vive ainda muito dependente do que sai de Cuba, ou grandes clássicos como Rue Cases Nègres, de Euzhan Palcy, e The Harder They Come, de Perry Henzell.

Apesar de tantas falhas, Marcano deixou também sinais de uma capacidade nata para a criação de ambientes tensos e genuínos. Sabendo da insistência nos filhos pródigos por parte de Roterdão, a expetativa em relação ao que Marcano possa vir a fazer no futuro é grande.

Bem mais surpreendente foi Buzzard, de Joel Potrykus (critica completa para breve), que desde a sua estreia no SXSW tem vindo a ser alvo de discretos louvores. O filme narra a história de Marty, um jovem deveras anti-social que vive de pequeno esquemas como abrir e fechar contas bancárias de forma a receber promoções, ou devolvendo material de escritório por ele encomendado em nome do seu patrão. Quando resolve dar o salto para o levantamento de cheques de estranhos, vê-se forçado a fugir para Detroit até que rapidamente se encontra mergulhado numa espiral incontrolável de violência.


Buzzard

O grande triunfo do filme está no ambiente de embaraço constante. Apesar de um carácter profundamente desprezível é impossivel à audiência não se identificar com uma personagem que faz de tudo para desvirtuar o sistema, recusando-se a toda a força a ser manipulado e explorado.

Também na secção Bright Future foi exibido Approaching the Elephant, da norte-americana Amanda Rose Wilder, um documentário sobre a tentativa de criação de uma escola gratuita, onde as crianças jogam um papel fulcral na organização das atividades escolares.


Approaching the Elephant

Baseado nos ideais anarquistas nascidos da guerra civil espanhola, a Teddy McArdle Free School oferece uma alternativa radicalmente diferente ao sistema de educação norte-americano. Nenhuma disciplina é compulsória, as regras de segurança são estipuladas pelos alunos, e o corpo docente pouco mais é do que um mero moderar, obcecado pela chamada de consílios e reuniões gerais para resolver pequenos dramas infantis. O falhanço inevitável da escola perante uma criança em particular, que confrontada com a falta da disciplina a que o habituaram noutros estabelecimentos, perverte os mais básicos valores da instituição, vai muito além do curioso. Approaching the Elephant é um retrato de uma experiencia condenada à partida, uma descrição de um pequeno grupo de adultos idealistas que apesar de todas as boas intenções se revelam tão incapazes como as crianças.

Por último, uma pequena menção para Banana Pancakes and the Children of Sticky Rice, do Holandês Daan Veldhuizen, que está a ser um dos maiores grandes êxitos de audiência nesta edição de 2015. O documentário mostra-nos como a vida idílica no meio rural em Laos está a ser profundamente afectada pela chegada de multidões de turistas de pé descalço. O conceito está longe de ser inovador ou original. Esta é uma história retratada vezes sem conta, mudando apenas de cenário.


Banana Pancakes and the Children of Sticky Rice

No entanto, é inevitável reconhecer que o filme está repleto de planos abertos reforçados acima de tudo por uma paisagem de cortar a respiração. Se a nível tematico Banana Pancakes and the Children of Sticky Rice é demasiado banal, a nível técnico retém muito conteúdo para explorar.

Cenas dos proximos capitulos: A invasão do cinema asiático e o estranho universo da curta-metragem em Roterdão

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