Quarta-feira, 24 Abril

Em Reposição – Satyajit Ray

Depois de Bergman, Ozu, Jarmusch e, mais recentemente, Carax, chega às salas da Medeia Filmes, um conjunto de obras restauradas de Satyajit Ray. Se não ouviu falar deste maestro que, para além de realizador, foi argumentista, produtor, editor e compositor dos seus filmes, conheça então este seu sexteto poético.

A Grande Cidade (1963) destaca as dificuldades financeiras da Índia e o contraste entre gerações, seguindo a pequena jornada de uma família, onde a mulher, por necessidade, abandona a vida doméstica para poder ajudar a sustentar os seus parentes, apesar da forte oposição destes.

Segue-se Charulata (1964) que, se não é o filme mais belo de todos os tempos, anda lá perto, sobre uma esposa com um talento reprimido para a escrita, presa num casamento monótono que se apaixona pelo primo do seu marido, também ele escritor. Vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim desse ano, é ainda uma das mais amadas obras do realizador.

Em ambos os filmes, Ray demonstra ser um desses cineastas raros que retrata duas coisas: a arte e o amor. É assim também em O Cobarde (1965), pequena história de amor nunca concretizada de dois amantes que se reencontram anos depois. Ou, citando o próprio filme, o clássico “boy meets girl, boy gets girl, boy loses girl“, com o primeiro plano a durar mais de quatro minutos introduzindo duas das principais personagens de todo o filme. Segue-se uma conversa no carro onde as mesmas dialogam sobre a profissão do protagonista (um argumentista de cinema) em inglês como, de resto, os colóquios mais vilanescos do filme.

Foi graças a estes pormenores e na capacidade de atingir uma audiência global, usando apenas elementos culturais do seu país e nunca “atraiçoando” o seu realismo, que Ray ficou celebrizado. Deste ano é também O Santo, comédia que parodia os falsos profetas e os seus discípulos, pela personagem de um messias com mais de dois milénios de vida.

Um ano passado e estreia O Herói (1966), retrato do lugar e da função do cinema no papel do espetador comum, assim como da necessidade das máscaras de heroísmo que um ator precisa de ter postas, mesmo quando não está a ser gravado, pela personagem de um “fantoche” que reflete a sua vida e carreira numa viagem de comboio existencialista. É aqui exposta a questionabilidade da sétima arte enquanto negócio ou forma artística (como diz uma das personagens “Não há maneira de competir com os filmes americanos.“), assim como a ociosidade natural e veneração sobrestimada dos que são presenteados pela fama. Por isto e mais, não será exagero dizer que é o 8 ½ de Ray.

O Deus Elefante (1979), o último filme deste ciclo (e francamente, o mais desfasado) é um dos vários episódios de uma personagem criada pelo próprio realizador, Feluda, conhecido como o Sherlock Holmes indiano que, nesta obra, tenta resolver um caso de furto. Poderá não ter a poesia das outras obras em exibição, mas partilha dos temas de amor, família, arte e dúvida que estão presentes em todos. Porque se Thomas Wolfe uma vez escreveu “Tu não podes voltar para casa outra vez”, Satyajit Ray foi sempre o homem que deu imagens a essa frase.

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