Sábado, 20 Abril

Retrospetiva 2013: O cinema e a BD

 

Este ano teve onze, contaram-nos bem, onze filmes baseados em personagens ou livros de BD que chegaram às nossas salas. Este foi um dos anos mais prolíferos nestas adaptações mas, em termos de qualidade, colocou a fasquia num novo patamar. É que um dos filmes reconhecido criticamente em várias listas de “melhores do ano” foi baseado numa BD: La Vie D’Adèle part 1 et 2 – mas, e para não parecer tendencioso, também existiram filmes de BD considerados os piores do ano: Man of Steel.

Acima de tudo, 2013 continuou a provar que a BD não se cinge a super-heróis da Marvel e da DC ou a variantes do género. É verdade que existiram exemplos em anos anteriores, como Ghost World, baseado na obra homónima de Daniel Clowes, que nos mostrou uma Scarlett Johansson imediatamente antes do reconhecimento internacional de Lost in Translation, Sin City inspirado nos livros de Frank Miller (e do qual vamos ter o segundo filme em 2014), ou Adéle Blanc-Séc de Tardi. Contudo, nenhum destes atingiu o sucesso de crítica ou foi parte sólida e integrante de uma obra de autor, neste caso o fabuloso Abdellatif Kechiche, como La Vie D’Adèle.

 

O realizador partiu da obra de Julie Maroh e construiu, dos alicerces fornecidos pela BD, uma obra-prima do género cinematográfico, adaptando a história à sua visão e sensibilidade, mas conseguindo referenciar parte do imaginário e emoção exibidos pela autora do original. O que isto vem reforçar é que existirão na BD mais coisas que mundos fantásticos, apreciados por tantos (eu, inclusive), mas também obras pessoais, idiossincráticas e estimadas pelos mais diversos gostos (não queria dizer bem isto, parece que as outras não são pessoais mas, às vezes, as palavras fogem-me). Apenas posso dar parabéns a Kechiche, não só pela sua peça de arte, como também porque, sem militância, conseguiu trazer mais uma BD para o grande ecrã.

 

A Marvel, por seu lado, continuou de forma firme e decidida, a construir o universo de super-heróis que iniciou com o primeiro Homem de Ferro. O terceiro filme deste herói estreou e foi o mais rentável do ano até o momento, justificado em parte pelas credenciais bancáveis de Robert Downey JR mas também pela inteligente construção de um universo conectado entre todos os seus filmes, uma experiência pioneira que reproduz o que os fãs de BD de super-heróis conhecem há mais de 70 anos, simplificado para o palato de uma audiência generalista sem, contudo, perder um átomo da magia do original. Quer este, quer o segundo Thor (um favorito meu), continuam a história do filme Os Vingadores mas decididamente abrindo o caminho para o final dos finais desta incrível saga. Para os apreciadores destes heróis em BD, foi fantástico poder perceber como é que vai ser o terceiro filme d’Os Vingadores (sim, o terceiro, não o segundo). Se querem saber quase tanto quanto nós, sempre podem procurar as palavras Thanos e Infinity Gauntlet. Se quiserem saber tanto quanto nós, leiam certos e determinados livros com esses mesmos dois nomes.

 

Houve ainda, da Marvel, o Wolverine – pelo menos do catálogo de personagens, já que este foi antes produzido pela Fox. Com este filme, a produtora provou que uma boa ideia é apenas boa se for muito copiada (e render muito dinheiro, claro) e a de um universo partilhado entre filmes é, de certeza, uma das excelentes, já que neste ano foi plagiada três vezes. Este Wolverine foi daqueles que ficou muito aquém do material original, nomeadamente do I, Wolverine de Chris Claremont e Frank Miller (sim, o mesmo do Sin City e 300), uma obra de qualidade indiscutível aos olhos de muitos fãs que poderia ter sido mais bem aproveitada, caso o olho de realizador tivesse sido outro (quem nos dera que tivesse sido o de Aronofsky, como chegou a net a sugerir). Ainda assim, tivemos a continuação de um grande Wolverine pelo talento de Hugh Jackman e a ponte para aquele que promete ser uma das melhores adaptações de BD em 2014, X-Men First Class: Days of Future Past.

 

De uma forma (ainda) muito menos assumida, a Warner e a DC começaram a construir o seu universo de super-heróis cinematográficos com o muito bom Man of Steel (a meu ver e eu sei que vou levar na cabeça), filme onde, finalmente, vimos o Super-Homem em todo o seu esplendor destrutivo. Sim, aqui não há laivos intelectualmente superiores, porque esses foram todos assegurados pelo La Vie D’Adèle. Aqui existem combates de super-heróis que os ascendem à constelação a que sempre aludiram, a dos combates lendários e mitológicos de outrora. É verdade que sem a profundidade e alcance de alguns, mas em sensação de perigo e grandiosidade os combates épicos de Man of Steel superaram até os d’Os Vingadores (ainda que este último seja um filme superior). Caso não tenham percebido, o regresso do Super-Homem ao cinema, um dos meus personagens favoritos de BD, foi um dos filmes de que mais gostei em 2013, por razões que vêm direitinhas do coração. Mas…calma… o La Vie D’Adèle também o foi.

 

Existiu ainda um relativo OVNI, a segunda parte de Kick-Ass. Infelizmente, o lugar-comum “o primeiro é melhor” aplica-se aqui na perfeição. Um filme pouco inspirado (eu sei que Tarantino gostou muito dele) que, para mim, continuou a valer pela Hit-Girl. Acho que, quer os autores da BD, Mark Millar e John Romita JR, quer os produtores do filme, concordam comigo, já que o personagem feminino foi bastante bem “explorado” por ambos.

Entre os meus filmes do ano que espero vir a esquecer estão dois que, ainda que não tenham sido baseados em BD’s que de facto existam, não deixam de provir desse universo. Falo, por um lado, da enésima iteração de veículo de ficção científica para servir a carreira de Tom Cruise a que se chamou Oblivion e que foi inspirado numa BD que nunca chegou a ser editada. Por outro, este foi o ano da sequela do relativo sucesso que foi Red, um primeiro filme interessante baseado numa BD original de Warren Ellis e Cully Hammer, mas que este segundo não conseguiu, a meu ver, reproduzir.

 

Outro dos filmes baseado em BD é também um remake de uma obra-prima cinematográfica: Oldboy. O Mangá (BD japonesa) foi originalmente publicado entre 1996 e 1998 e foi alvo de uma das grandes adaptações ao cinema, pelas mãos do autor Park Chan-wook, cineasta sul-coreano que incluiu este filme na sua Trilogia da Vingança. Constituiu-se como uma daquelas peças de arte que marcaram o início do século XXI, com uma linguagem forte e crua, num filme que sobreviveu à passagem do tempo e ao choque inicial da fabulosa reviravolta que é parte integrante do seu enredo. Ainda não pude ver a versão americana realizada por Spike Lee, mas um dia destes talvez ganhe coragem, mas estou com a leve impressão de que este é daqueles (muitos) remakes verdadeiramente redundantes, independentemente da qualidade que possa vir a ter.

Finalmente, ocorreram duas adaptações de conhecidas obras franco-belgas infanto-juvenis, Marsupilami e Estrumpfes (desculpem, mas eu sou desta geração e não da dos Smurfs). Infelizmente também não tive o prazer (ou sorte, não sei!) de os ver mas, ainda que o primeiro não faça parte das minhas recordações remotas, já o segundo esteve presente em algumas sessões de leitura. Quem sabe um dia dedique algumas horas a vê-los!

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