Sábado, 20 Abril

Um dia nas filmagens do Capitão Falcão

O ambiente é profissional mas as gargalhadas são inevitáveis. Gonçalo Waddington, o Capitão Falcão, vai arrancando risos com uma caricatura perfeita daquele que poderia ser um super-herói português saído diretamente dos anos 60 – ainda que, segundo a criação do argumentista e realizador João Leitão, seja defensor do Estado Novo!

Na reta final das filmagens, que começaram a 8 de novembro, previstas para seis semanas, filma-se agora em estúdio, de ângulos diversos, algumas sequências com a técnica de Chroma Key – entre as quais uma em que o super-herói e o seu fiel ajudante, Puto Perdiz (David Chan Cordeiro), andam de mota. A ser distribuído pela Zon, que tenta aproveitar a onda das comédias bem-sucedidas nas bilheteiras em Portugal, “Capitão Falcão” chega aos cinemas no verão de 2014.

Para Waddington, as risadas no set só podem ser bom sinal. Segundo ele, longe de ser uma indicação de desconcentração, elas têm um significado oposto, especialmente para que se perceba quando uma piada está a resultar. “Faz parte e, aliás, eu não consigo trabalhar em ambientes onde não há espaço para risota“, diz. Também Leitão reconhece o bom ambiente que tem tido nas filmagens, embora nem sempre seja assim. “Deve ser porque hoje temos um bom serviço de catering. Os portugueses trabalham muito se comerem bem“, brinca.

Ao contrário, ele recorda a sua experiência a filmar os Irmãos Catita, uma rodagem cercada de pressão e stress. “Também tenho certeza de que não está ninguém aqui que não queira estar. Toda a gente está aqui por amor à camisola, a ganhar valores abaixo do mercado – pois é um filme autofinanciado“.

O super-herói português

Conforme relata o argumentista/realizador, o projeto surgiu daquelas ideias espontâneas, mas que tem paralelos óbvios nos super-heróis dos anos 60/70, como Batman, Green Hornet, Capitão América. Mas a coisa passa antes por uma constatação muito simples: Portugal nunca teve um super-herói. “Então eu comecei a imaginar como seria um super-herói nos anos 60. Instantaneamente eu pensei: mas ele lutaria contra o regime? Aí pensei que teria muito mais piada se ele fosse a favor do regime».

Daí para se tornar uma paródia do Estado Novo foi um passo lógico. Já em companhia da coargumentista Núria Leon Bernardo, tornou-se cada vez mais produtiva a ideia do protagonista ser o vilão e do antagonista ser o herói. “Os maus do filme querem trazer liberdade e democracia para Portugal!

Embora tenha sido por casualidade, seria quase inevitável que a abordagem não tivesse vínculos com o que se vive atualmente. E João Leitão tem receio incomodar alguém ou provocar alguma reação à sua abordagem política? “Não. Se uma pessoa faz comédia a pensar nisso não funciona. Além do mais seria ingénuo esperar que as pessoas interpretassem isso da maneira como eu quero“.

Os burros no poder

O ator que encarna o Capitão Falcão acrescenta: “Ele é um defensor dos valores do Estado Novo e não olha a meios para atingir os seus fins. Se alguém disser mal do Salazar, da religião católica, da pátria, se fizer algo com a bandeira, fale em democracia ou comunismo, ele mata, ofende, esfola se for preciso. É um quadrado, muito pouco inteligente, e seus movimentos, seus golpes, são tão quadrados quanto as suas ideias“. Mas, pior que isso, ele está no governo. “Ele tem uma coisa perigosa, pois tem poder. Os burros quando estão no poder são muito perigosos“.

Para construir o personagem, para além da óbvia referência dos super-heróis de antigas séries, Waddington esclarece que a sua composição vem do comportamento egocêntrico do protagonista, com gestos muito marcados, com muitas poses e uma voz colocada. “É um homem que gosta muito de se ouvir, é vaidoso, gosta que a voz dele ecoe, não deixa os outros falarem, não ouve ninguém. É um idiota.

As comédias e o box office português

Em tempos em que a comédia parece ser tudo o que resulta em termos de público no cinema nacional, Leitão não esconde que espera também colher os frutos desta nova onda que, recentemente, beneficiou obras como A Gaiola Dourada (que, apesar de ser uma produção francesa, lida com temáticas portuguesas), Balas e Bolinhos e Os 7 Pecados Rurais. “Embora o nosso filme não tenha nada a ver com estes, espero que o público que gosta de comédias venha ver o nosso trabalho. Também quero evitar aquele tipo de elogio que mais parece um insulto – quando dizem que ‘para cinema português não está mau’“.

Gonçalo Waddington também acredita nas boas possibilidades do projeto ter uma performance sólida nas bilheteiras. “Há muito por onde se pegar. Há um humor mais direto, muito imagético, de gags visuais, há o humor de gags do próprio texto e depois há um humor mais rebuscado de subtexto. É muito apelativo”, diz.

Três anos no limbo

Desde que causou furor na edição do Motelx de 2011, o Capitão Falcão entrou numa fila de espera para ser transformado em série na RTP que duraria muito mais tempo do que se imaginava ao início. Com o projeto constantemente a ser adiado, o realizador foi mantido num permanente stand-by, algo que lamenta. “Nunca nos disseram não, não queremos. Fizeram pior, disseram que queriam. Então ficamos num limbo, à espera do contrato, das datas. Fizeram-nos isso durante meses – enquanto eu trabalhava nos argumentos, falava com atores“, relata.

Uma nova reunião a informá-lo do que ainda não seria naquela data que o projeto arrancaria foi a gota de água para o cineasta perceber que era hora de procurar outra alternativa. “Fui para a casa, fiquei deprimido uma semana e depois pensei: ‘não, o projeto é fixe’, vamos fazer alguma coisa com isso. E fomos à Zon e apresentamos a proposta para eles distribuírem“, conta.

(Artigo originalmente publicado em dezembro de 2013)

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