Terça-feira, 19 Março

O Falso Feminismo de James Gray

Com a chegada de um novo filme de James Gray, eis o reinício da batalha campal. De um lado, os aficionados do seu “cinema” (se assim poderemos dizer), da anunciação de um Messias dentro de uma indústria cada vez mais decadente (sim, podem apelidar-me de “drama queen“, se quiserem); do outro, aqueles que simplesmente desprezam ou que não entendem este fenómeno. Confesso que me integro no segundo grupo, e por mais chances que dou ao realizador nova-iorquino, acabo sempre por deparar em mais um ensaio de decorativismo, um homem que anseia sentar na mesma mesa de Coppola, Cimino ou de Scorsese, esses recriadores da Nova Hollywood, ao invés de seguir num percurso próprio. Enfim, do outro lado do campo bélico, são demasiados os adjetivos e elogios quase lisonjeadores à sua existência… mas aqui a questão não é a sua “sobrevalorização” ou “subvalorização”, conforme seja o partido que o leitor integra, mas sim, o debate em relação ao seu feminismo.

Os “grayanos” (chamaremos assim esta legião de adeptos) “meteram o pé na poça” quando atribuíram o título de “único realizador feminista da actualidade” a James Gray. Caros amigos, Gray pode ser muitas coisas, mas feminista não. Aliás, nesse mesmo tópico, sempre se revelara o contrário – um homem de fortes vínculos da sua masculinidade e nesse campo, por exemplo, serviu como uma âncora para a sua anterior obra: The Immigrant [ler crítica]. No vaiado filme de Cannes que fez “chover rosas” em Portugal, o enredo focava um dos grandes fluxos migratórios nos EUA, com emigrantes vindos dos mais diversos locais, entre os quais, como no caso da protagonista interpretada por Marion Cotillard, da Europa do Leste. The Immigrant remexe então num lugar-comum, o Paraíso transformado num Inferno, onde a alma de uma “alien” (outro termo para estrangeira) é deturpada por uma entidade quase faustiana – neste caso, Joaquin Phoenix a servir de proxeneta.

Neste percurso quase ético e regido pelo fator de sobrevivência, ficamos a mercê de duas figuras ambíguas (sim, a nossa estrangeira não é flor que cheire), mas é na personagem de Phoenix que apercebemos essa compaixão masculina. Por mais “atrocidades” que esta personagem faça à protagonista, um poço de antagonismo adereçado num arquétipo comum, é diversas vezes desculpado por uma iminente cumplicidade entre realizador e personagem. Afinal o nosso Phoenix tece sentimentos para com a nossa Cotillard, mas o seu sentido de sobrevivência fala mais alto e ao de cima surge um oportunismo quase vilipêndio. Mas é aí que Gray trai-nos. Os seus sentimentos supostamente amorosos são realçados no ultimo terço, sobrepostos nas intenções animalescas de Cotillard. São provas de amor, segundo Gray – o platonismo como desculpa para não odiarmos a personagem e para sentirmos uma compaixão, e por sua vez, o julgamento ético a Cotillard, simplesmente porque tudo é apresentado como uma questão de carisma. Phoenix ganha, a sua personagem vive, e a Mulher é salva pelo derradeiro ato de caridade.

A nossa intenção não era demonizar Phoenix e criar em Cotillard a mais angelical forma. O feminismo nada tem a ver com diferença, mas com igualdade, e sob essas mesmas linhas, porque não os mesmos traços de ambiguidade e antagonismo. Mas Gray torna-se paternalista em relação a Phoenix e no final, sentimos o pior dos sentimentos em relação à sua figura: pena.

No caso de The Lost City of Z [ler crítica], esse seu novo filme, o caso de masculinidade é mais agravado, até porque James Gray decide assumir-se como um feminista e o resultado é puro panfletarismo. A personagem de Sienna Miller é um espectro que dita constantemente um discurso de igualdade, uma preocupação quase “sufragette” militarista. Não verdadeiramente sentido como um ato próprio desta personalidade; ao invés disso, uma preocupação com uma agenda politica e um receio enorme pela onda politicamente correta e do ativismo persistente que hoje dita os nossos dias. Por outras palavras, James Gray é um cobarde, um homem regido por uma passividade moral e pior, caído nas modas diárias. Até porque isso faz parte da sua natureza, a de se inserir num grupo e não o de formar um novo. Em relação a Sienna Miller, temos a continuação da actriz como uma bengala de suporte feminino aos incontáveis heróis do seu tempo, tal como executara em American Sniper de Clint Eastwood.

Resumindo e concluindo, James Gray poderá ser tudo … menos um feminista.

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